23 de julho de 2015

A doença e a cura

Por Marcelo Barbosa

Decorridos dois anos da sua edição original, em espanhol, chega ao Brasil o livro Um repórter na Montanha Mágica – como a elite econômica de Davos afundou o mundo (Editora Apicuri, 224p.), de autoria do repórter inglês Andy Robinson. Um exercício de jornalismo absolutamente atual. Principalmente em tempos de uma crise financeira que não cansa de fazer vítimas, ao centro e à periferia do capitalismo. Equilibrando bem-fundamentada investigação jornalística e exercício de estilo, ao qual comparecem pitadas de ironia, Robinson revela os bastidores do chamado WEF (Forum Econômico Mundial), sem disfarces. Toda a cupidez, ganância e, acreditem, auto-indulgência da classe dos senhores da riqueza mundial desfila pelas páginas do relato que também abriga descrições, por vezes hilárias, das personalidades do mundo político e artístico escaladas para o legitimar o grande teatro de ilusões de Davos, como Bill Clinton e Bono Vox. Não faltam, ainda, esclarecimentos sobre os modos de transformar filantropia em pilantragem globalizada, seja no Haiti ou na Irlanda.

Recomendo, com entusiasmo, a leitura do livro. Não apenas pela oportunidade de suas denúncias. Mas, também, pelos recursos de natureza criativa que Andy Robinson maneja no texto. Em especial o paralelo proposto pelo repórter entre os aspectos ficcionais do romance “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, e os elementos de realidade pontuados na sua crônica de Davos. Uma combinação responsável por uma linguagem cheia de brilho, capaz de tornar atraente – sem nenhum didatismo – a leitura a vários tipos de público, inclusive aqueles sem especial interesse em temas econômicos. Para se ter uma idéia dessa interação realidade-ficção, todos os capítulos de “Um Repórter na Montanha Mágica” surgem precedidos por uma passagem curta de trechos do romance de Mann, de grande funcionalidade em face dos temas abordados. O resultado informa, não deixa de ser jornalismo, mas não exclui o dado da imaginação.

Na narrativa de Mann, é descrita a vivência do personagem principal, Hans Castorp, num sanatório para tuberculosos no interior da Suíça (a título de curiosidade, se não me engano, o nosso Manuel Bandeira, recebeu tratamento numa instituição dessas durante a segunda década do século XX). Sem exibir sinais de enfermidade, o protagonista vai sendo inoculado por uma “cura” destinada a torná-lo progressivamente doente do espírito, numa época igualmente doentia, cujo desfecho caminha para a eclosão da I Guerra Mundial. Já no livro de Robinson, o retorno a uma Davos da atualidade, sem sanatórios, flagra outro tipo de patologia destinada a debilitar o mundo inteiro: o aumento da desigualdade econômica. Diante da irracionalidade de uma estratégia de acumular riqueza sem dividi-la não faltam advertências de especialistas como Roubini ou Piketty. O problema reside no fato de que as elites econômicas e políticas parecem muito pouco dispostas a ouvir esses diagnósticos.

Durante a sessão de autógrafos de “Um Repórter na Montanha Mágica”, no Rio de Janeiro – evento antecedido por um rápido debate entre mim, o autor, o jornalista José Augusto Ribeiro e o tradutor da obra, Luiz Carlos Moreira da Silva – Robinson recebeu o seguinte questionamento de alguém da platéia: “será que, da mesma maneira do final trama de Thomas Mann, o mundo vai rumando para uma grande convulsão planetária por conta do quadro econômico?” O jornalista respondeu nos seguintes termos: “as conclusões finais do meu livro pareciam bastante pessimistas, há dois anos. De lá para cá, as coisas mudaram. Aos movimentos como Ocuppy Wall Street, vieram se somar alternativas de poder real em várias partes do mundo. Inclusive o Syriza, na Grécia e o Podemos, na Espanha. O quadro alterou-se, de alguma maneira”.

Alguns poderão sugerir objeções ao otimismo moderado de Robinson. Ou mesmo concordar. Só não dá para negar o óbvio: que para os males originados na economia mundial, a única terapêutica é a política.

Marcelo Barbosa é advogado, doutor em Literatura Comparada pela UERJ, diretor-coordenador do Instituto Casa Grande e autor, entre outros, de A Nação se concebe por ciência e arte – três momentos do ensaio de interpretação do Brasil no século XIX

http://apicuri.com.br/index.php/product/1212-um-reporter-na-montanha-magica-como-a-elite-economica-de-davos-afundou-o-mundo

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