Por Marcelo Barbosa
Decorridos dois anos da sua edição
original, em espanhol, chega ao Brasil o livro Um
repórter na Montanha Mágica – como a elite econômica de Davos afundou o mundo
(Editora Apicuri,
224p.), de autoria do repórter inglês Andy Robinson. Um exercício de jornalismo
absolutamente atual. Principalmente em tempos de uma crise financeira que não
cansa de fazer vítimas, ao centro e à periferia do capitalismo. Equilibrando bem-fundamentada
investigação jornalística e exercício de estilo, ao qual comparecem pitadas de
ironia, Robinson revela os bastidores do chamado WEF (Forum Econômico Mundial),
sem disfarces. Toda a cupidez, ganância e, acreditem, auto-indulgência da
classe dos senhores da riqueza mundial desfila pelas páginas do relato que também
abriga descrições, por vezes hilárias, das personalidades do mundo político e
artístico escaladas para o legitimar o grande teatro de ilusões de Davos, como
Bill Clinton e Bono Vox. Não faltam, ainda, esclarecimentos sobre os modos de
transformar filantropia em pilantragem globalizada, seja no Haiti ou na Irlanda.
Recomendo, com entusiasmo, a
leitura do livro. Não apenas pela oportunidade de suas denúncias. Mas, também,
pelos recursos de natureza criativa que Andy Robinson maneja no texto. Em especial
o paralelo proposto pelo repórter entre os aspectos ficcionais do romance “A
Montanha Mágica”, de Thomas Mann, e os elementos de realidade pontuados na sua
crônica de Davos. Uma combinação responsável por uma linguagem cheia de brilho,
capaz de tornar atraente – sem nenhum didatismo – a leitura a vários tipos de público,
inclusive aqueles sem especial interesse em temas econômicos. Para se ter uma
idéia dessa interação realidade-ficção, todos os capítulos de “Um Repórter na
Montanha Mágica” surgem precedidos por uma passagem curta de trechos do romance
de Mann, de grande funcionalidade em face dos temas abordados. O resultado
informa, não deixa de ser jornalismo, mas não exclui o dado da imaginação.
Na narrativa de Mann, é descrita
a vivência do personagem principal, Hans
Castorp, num sanatório para
tuberculosos no interior da Suíça (a título de curiosidade, se não me engano, o
nosso Manuel Bandeira, recebeu tratamento numa instituição dessas durante a
segunda década do século XX). Sem exibir sinais de enfermidade, o protagonista
vai sendo inoculado por uma “cura” destinada a torná-lo progressivamente doente
do espírito, numa época igualmente doentia, cujo desfecho caminha para a eclosão
da I Guerra Mundial. Já no livro de Robinson, o retorno a uma Davos da
atualidade, sem sanatórios, flagra outro tipo de patologia destinada a
debilitar o mundo inteiro: o aumento da desigualdade econômica. Diante da
irracionalidade de uma estratégia de acumular riqueza sem dividi-la não faltam
advertências de especialistas como Roubini ou Piketty. O problema reside no fato de
que as elites econômicas e políticas parecem muito pouco dispostas a ouvir
esses diagnósticos.
Durante a sessão de autógrafos de
“Um Repórter na Montanha Mágica”, no Rio de Janeiro – evento antecedido por um
rápido debate entre mim, o autor, o jornalista José Augusto Ribeiro e o
tradutor da obra, Luiz Carlos Moreira da Silva – Robinson recebeu o seguinte
questionamento de alguém da platéia: “será que, da mesma maneira do final trama
de Thomas Mann, o mundo vai rumando para uma grande convulsão planetária por
conta do quadro econômico?” O jornalista respondeu nos seguintes termos: “as
conclusões finais do meu livro pareciam bastante pessimistas, há dois anos. De
lá para cá, as coisas mudaram. Aos movimentos como Ocuppy Wall Street, vieram
se somar alternativas de poder real em várias partes do mundo. Inclusive o
Syriza, na Grécia e o Podemos, na Espanha. O quadro alterou-se, de alguma
maneira”.
Alguns poderão sugerir objeções
ao otimismo moderado de Robinson. Ou mesmo concordar. Só não dá para negar o óbvio:
que para os males originados na economia mundial, a única terapêutica é a política.
Marcelo Barbosa é advogado, doutor em Literatura Comparada pela
UERJ, diretor-coordenador do Instituto Casa Grande e autor, entre outros, de A
Nação se concebe por ciência e arte – três momentos do ensaio de interpretação
do Brasil no século XIX
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