Por Afonso
Guerra-Baião
Outra vez é
tempo da bela Estação. As mesmas flores voltam com os eternos pássaros – e, no
meio dos ruídos mutantes da cultura, se apurar o ouvido consigo ouvir Vivaldi.
Nas entrelinhas da realidade sem mistérios é possível pressentir o mistério do
mundo. Num exercício de meta-arqueologia, redescubro uma frase que poderia ser
atribuída a um poeta ou a um místico: “Eles podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a
primavera.” Essa frase é de um guerrilheiro: Ernesto Guevara de la
Serna, o “Che”.
Todos sabem
que Guevara foi executado pelos militares bolivianos em Higueras, no florescer
da primavera: nove de outubro de 1967 – dois anos depois de ter renunciado ao
cargo de Ministro da Indústria do Governo de Cuba. Na narrativa de sua
existência, a revolução vitoriosa em Cuba constitui a prova principal;
paradoxalmente, ele viveu sua prova glorificante nas selvas da Bolívia, onde
encontrou sua hora e sua vez. Esses episódios constituem o eixo narrativo dos
dois filmes de Steven Soderbergh, com magistral interpretação de Benício del
Toro.
O que talvez
nem todos saibam é que no intervalo entre essas, o Che viveu duas provas
qualificantes: a malsucedida guerrilha no Congo e sua estadia em Praga por um
ano, num período de preparação da campanha na Bolívia.
Nesse espaço
de tempo dedicado ao recolhimento, à espera e ao planejamento, Che Guevara
teria escrito os “Cadernos de Praga”
que desapareceram com seu autor. São esses cadernos que outro argentino, Abel
Posse, recriou no plano da ficção, baseado em depoimentos e pesquisas
documentais – cadernos de notas pessoais, impressões subjetivas, em que o
guerreiro mítico se mostra também um homem cheio de desejos e dúvidas.
“Cadernos de Praga”, publicado no Brasil
pela Editora Record, traz como uma de suas epígrafes esse dizer de Kierkegaard:
“Os grandes
serão lembrados. Mas cada um deles foi grande com relação às suas expectativas.
Um foi grande esperando o possível. Outro, esperando o eterno. Porém quem esperou
o impossível foi o maior de todos.”
Afonso
Guerra-Baião é escritor
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