30 de setembro de 2012

Estação Che (literatura)


Por Afonso Guerra-Baião

Outra vez é tempo da bela Estação. As mesmas flores voltam com os eternos pássaros – e, no meio dos ruídos mutantes da cultura, se apurar o ouvido consigo ouvir Vivaldi. Nas entrelinhas da realidade sem mistérios é possível pressentir o mistério do mundo. Num exercício de meta-arqueologia, redescubro uma frase que poderia ser atribuída a um poeta ou a um místico: “Eles podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera.” Essa frase é de um guerrilheiro: Ernesto Guevara de la Serna, o “Che”.
Todos sabem que Guevara foi executado pelos militares bolivianos em Higueras, no florescer da primavera: nove de outubro de 1967 – dois anos depois de ter renunciado ao cargo de Ministro da Indústria do Governo de Cuba. Na narrativa de sua existência, a revolução vitoriosa em Cuba constitui a prova principal; paradoxalmente, ele viveu sua prova glorificante nas selvas da Bolívia, onde encontrou sua hora e sua vez. Esses episódios constituem o eixo narrativo dos dois filmes de Steven Soderbergh, com magistral interpretação de Benício del Toro.
O que talvez nem todos saibam é que no intervalo entre essas, o Che viveu duas provas qualificantes: a malsucedida guerrilha no Congo e sua estadia em Praga por um ano, num período de preparação da campanha na Bolívia.
Nesse espaço de tempo dedicado ao recolhimento, à espera e ao planejamento, Che Guevara teria escrito os “Cadernos de Praga” que desapareceram com seu autor. São esses cadernos que outro argentino, Abel Posse, recriou no plano da ficção, baseado em depoimentos e pesquisas documentais – cadernos de notas pessoais, impressões subjetivas, em que o guerreiro mítico se mostra também um homem cheio de desejos e dúvidas.
“Cadernos de Praga”, publicado no Brasil pela Editora Record, traz como uma de suas epígrafes esse dizer de Kierkegaard:
“Os grandes serão lembrados. Mas cada um deles foi grande com relação às suas expectativas. Um foi grande esperando o possível. Outro, esperando o eterno. Porém quem esperou o impossível foi o maior de todos.”

Afonso Guerra-Baião é escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário