E então ela disse bem
Não importa como surge,
Interessa, urge, saber de onde vem.
Vem da mecânica mole do molusco na casca do
acaso,
Vem do Parnaso que todos temos no oco da testa
Quando só nos resta temer por um novo soco.
Vem da ata da convenção anual dos fantasmas da
gente
Que aprovou por unanimidade inteligente
Um manifesto de repúdio ao real.
Vem do descontrole remoto da memória,
Vem da história do passado a limpo tantas vezes
Que imprimiu de revezes o mais que perfeito
retrato.
Vem do lixo tirado diariamente do aterro,
Vem do erro deslocado da margem sua
E trazido para o meio da rua.
Vem do fato de se estar atento
Ao incansável trabalho do vento na pedra dura do sapato,
No tento, na pele cansada do fato sobre o
pensamento.
Vem da caixa de surpresas da última tempestade,
Vem com a idade, vem contra a vontade.
Vem do intervalo de coisas que há nas coisas,
Por exemplo, no que há de árvore entre duas
árvores no descampado,
No que restou de céu no pássaro pousado,
desavoado.
Vem da migalha de pão sobre a mesa
Vem da florantena de éter da beleza
Vem de não saber bem de onde vem.
Vem do quando o instante é mulher
Vem do quando der de vir, sem se ver a cara da
fera
Que ataca e vem de onde menos se espera.
Vem do que dela ficou por aqui
Vem de sua fala para sempre agora
Já que sua presença veio e não quer ir embora.
Marcílio Godoi é autor de "São Paulo, Cidade Invisível", uma reportagem literária
sobre personagens marginais à grande metrópole (vencedor do Grande Prêmio
Cásper Líbero); "Ingrid, uma História de Exílios", a saga de uma
mulher em busca do passado misterioso do pai; "A Pequena Carta", uma
fábula sobre a carta de Caminha; "Pequeno Dicionário Ilustrado de Palavras
Invenetas", um ensaio lúdico com neologismos; entre outros títulos.
Arquiteto e jornalista, é mestrando em Literatura e Crítica Literária pela
PUC-SP. Escreve há quatro anos a Coluna "O Português é uma Figura",
na Revista Língua Portuguesa. Colabora em alguns sites de opinião e é diretor
de conteúdo da Memo Editorial. Ilustrador filiado ao SIB, é mineiro de
Araguari, tem 48 anos e é professor convidado há cinco anos do GVPEC, da
Fundação Getúlio Vargas, São Paulo (www.marciliogodoi.blogspot.com)
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