29 de abril de 2012

O Cachoeira e a gota d'água

Por Luiz Werneck Vianna

Não há teoria que subverta a convicção de que as coisas humanas andem ora tangidas por nossas ações, conscientes ou não dos resultados que delas advirão, ora como que animadas por movimentos internos, como que autopoieticamente, categoria que a sociologia, na obra clássica de Niklas Luhmann, importou da biologia, hoje incorporada ao léxico da moderna teoria social. A mudança de bastão de Lula da Silva para Dilma Rousseff, celebrada como uma prestidigitação em que a segunda deveria representar, no exercício do poder, a continuidade corporal do seu antecessor, como que em comunicação demiúrgica com ele - o corpo metafísico do rei -, omitiu no seu ritual a transmissão do carisma para a sucessora, como se ela estivesse fadada tão somente à missão litúrgica de zelar pelo culto do fundador da sua dinastia.

O fato é que, sob o governo Dilma, o ímpeto da expansão do capitalismo no País segue o seu curso, evidentes, a esta altura, os sinais de que esse movimento não obedece apenas a uma simples lógica naturalística, mas que já se constitui num processo politicamente orientado. Mais do que gestora, Dilma investe-se do papel de primeira executiva em geral do capitalismo brasileiro, concebido como um projeto nacional a ser implementado de modo decisionista pelo Poder Executivo e sua sofisticada tecnocracia. Entre vários outros, mais um indicador dessa inovação em termos de estilo de exercício de poder está na sua diplomacia presidencial, centralmente orientada para a projeção da economia do País no cenário internacional e refratária, sem alarde, a postulações político-ideológicas. Se coube antes, não lhe cabe mais a imagem de uma simples gerente da administração pública, porque já está aí o esboço de um perfil forte de dama de ferro do capitalismo brasileiro.

De outra parte, a expansão da experiência capitalista no Brasil não é mais apanágio do Centro-Sul, o agronegócio abriu-lhe o hinterland, introduzindo mutações irreversíveis na sua composição demográfica e na sua estrutura social. E por toda a imensa região da fronteira ela ativa e energiza a iniciativa dos seus setores subalternos, cria e expande mercados.

Essa vigorosa difusão da vida mercantil, contudo, se afirma num cenário desértico quanto à estruturação do político e à difusão de valores cívicos. Nas ciclópicas obras da construção de usinas hidrelétricas, que ora têm lugar nessa região de fronteira - empreendimento de grandes empreiteiras, financiado, em boa parte, com recursos estatais -, são mobilizadas centenas de milhares de trabalhadores, a maior parte deles conhecendo o seu primeiro emprego formal e a sua primeira exposição às leis trabalhistas e à vida sindical, que agora começa a chegar-lhes, em meio a greves selvagens e a atos tumultuados de protesto contra as precárias condições de trabalho com que se defrontam.

Por cima, a emergência de novas elites que fizeram a sua história à margem das lutas pela democratização do País. Por baixo, a presença multitudinária de trabalhadores e de homens em busca de oportunidades de vida, um capitalismo de faroeste que tem forçado, às vezes com sucesso, as portas de entrada da política, como neste Goiás de Carlinhos Cachoeira - personagem tão expressivo desse mundo quanto o foi, em Serra Pelada, o major Sebastião Curió -, espécie refinada de um gângster de bons modos e de bom gosto que parece saído de um romance de Scott Fitzgerald.

A natureza quasímoda do nosso sistema político - tradicional composição heteróclita do moderno com o atraso, este, no caso, representado pelas oligarquias tradicionais, filhas do nosso secular exclusivo agrário - torna-se ainda mais aberrante com a incorporação, como se tem apurado nas investigações em curso, dessa floração de um capitalismo sem lei, que, com métodos de máfia, se infiltra em grandes empresas, nas estruturas do Estado e do Ministério Público - lugar de origem da escalada política do senador Demóstenes Torres - e também na sede do Poder que representa a soberania popular.

As coisas humanas andam, e o seu andamento sinaliza, para o governo Dilma, o que talvez fosse ainda pouco visível para o seu antecessor: o presidencialismo de coalizão, na forma como vem sendo praticado, converteu-se numa política de alto risco para a democracia brasileira. O presidencialismo de coalizão, decerto, tem-se mostrado, entre nós, como uma via institucional adequada a fim de afiançar governabilidade, especialmente após a experiência frustrada do governo Collor, que se pretendeu pôr acima dos partidos. Mas a reiteração acrítica da sua prática, em particular no segundo mandato de Lula e na articulação da composição ministerial do governo Dilma, cuja montagem original não resistiu sequer a poucos meses de operação, não deixa mais dúvidas quanto à necessidade da revisão do seu modo de operação. O affaire Demóstenes-Cachoeira, com a CPI "do fim do mundo" ou sem ela, bem que pode ser a gota d"água.

Nessa forma de presidencialismo, a coalizão deve-se dar em torno de políticas, e não de interesses avulsos e fragmentados, como na nossa experiência atual, a qual, ao ratear benefícios e prebendas a granel, com a pretensão de garantir insulamento para a política decisionista e tecnocrática do Executivo, franqueia as estruturas do Estado à apropriação por parte de particularismos privatísticos, quando não do crime organizado por meio de redes de estilo mafioso.

A História contemporânea é farta em exemplos no sentido de mostrar que, por trás da projeção nacional dos Estados bem-sucedidos, há uma República, destino para o qual nos tangem os fatos, já desavindos com essa democracia de interesses que converteu a política num processo penal sem fim.

Luiz Werneck Vianna, professor-pesquisador da PUC-Rio

Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, em 22 de abril de 2012, domingo

26 de abril de 2012

Denúncia de intolerância contra opção sexual sábado, na Lapa

Grande Zé Max!
Um absurdo temos ainda vivermos com esse grau de intolerância em nossa sociedade.
Tenho ódio e nojo do preconceito e da discriminação.
Kadu Machado

para trás ficou
a marca da cruz
na fumaça negra
vinda na brisa da manhã
ah, como é difícil tornar-se herói
só quem tentou sabe como dói
vencer satã só com orações

(agnus sei, aldir blanc/joão bosco por elis)

amigos, relato. nem todo mundo soube do que aconteceu no último sábado na lapa. é um pouco longo, mas peço a atenção de vocês, principalmente daqueles que frequentam o bairro.

fui espancado, com mais três amigos, por um grupo de caras motivados por ódio num crime de homofobia. antes de tudo devo dizer que estamos todos bem fisicamente e que embora muita gente já saiba, todos os nomes foram preservados nesse relato.

eram quase cinco da manhã. nós havíamos acabado de sair do sinuca tico e taco, na rua da lapa, acompanhando uma amiga que queria comer alguma coisa no ximenes (esquina da joaquim silva com teotônio, em frente à escadaria do selaron). depois que ela comeu e foi embora a gente continuou ali, sentado no meio-fio, de boa, conversando.

foi nessa hora que dois malucos se aproximaram.

éramos em cinco, quatro homens e a Nicole que tava com a gente desde o início. eles não nos conheciam, nós não os conhecemos, é importante dizer. foi apenas por entenderem que éramos gays, pela forma que estávamos sentados, de mãos dadas, ou encostados uns sobre os outros, que nos agrediram.

primeiro, dizendo coisas, como: "ih, vocês são viadinhos, sentados aí todos juntos? não curtem mulher não, né? deviam tá pegando mulher. eu já peguei quatro buceta hoje! e vocês ficam aí no meio da rua, com todo mundo vendo!" e indo além: "quem vai chupar meu pau?", perguntou um deles, jogando uma moeda de dez centavos em nossa direção.

a gente reagiu atirando a moeda de volta e deixando bem claro que não tava afim de papo com eles, e que fossem embora, porque, afinal, já haviam cumprido seu dever/obrigação social de sair na sexta pra pegar mulher.

estimulados pelo ódio de ver amigos trocando afetos em público, inadmissível moral e ideologicamente, partiram da provocação verbal pra agressão física em um empurrão e um chute. ficamos de pé e teve um princípio de confusão que, de nossa parte, não foi além de dizer que não iríamos tolerar agressão e pedir que fossem embora. saíram resmungando alguma coisa e desceram em direção aos arcos, e nós, nos abraçamos em grupo, tentando entender o que havia acabado de acontecer.

minhas pernas tremiam. lembro que pelo meu corpo subia o sangue quente que fazia minhas mãos queimar como fogo. gritei como um louco! ninguém esperava por isso, não naquele lugar. só que não era o fim... coisa de minutos depois, eles voltaram em bando. eram 10, 12, 15 caras com eles, ninguém sabe direito, foi muito rápido.

nós estávamos ainda de costas para a rua quando um daqueles caras que chegou primeiro foi logo dando um soco na cabeça de um amigo. no meio da rua, vinham mais três ou quatro, e um grupo maior vindo mais atrás pela calçada da joaquim silva. gritei CORRE!

descendo pelo beco da teotônio, um amigo conseguiu escapar, enquanto corria de costas se defendendo, à procura de qualquer ajuda; de amigos, que a essa hora deveriam estar no bar da cachaça; ou da polícia e da guarda municipal, mas sem sucesso. tanto porque não havia ninguém conhecido, quanto porque, no posto da GM, perto do circo voador, riram dele dizendo que mandariam um carro pra lá, que nunca chegou.

outro amigo nosso caiu no chão do primeiro ataque, sendo chutado por quatro ou cinco caras. pulei no meio dessa roda, girando enquanto também batia e tentava defesa, mas fui puxado e rasgaram minha camisa. tomei vários chutes, socos nas costas, na face e na cabeça. esse amigo foi arrastado do bueiro até o outro lado do beco sem deixarem de espancá-lo por um minuto, eles chutavam na cabeça!

mais acima, perto do bar, uma mulher achou que ajudava colocando um pedaço de pau na mão do primeiro amigo. quando viram, ficaram mais loucos ainda, partiram pra cima dele sem dó, que atingiu um deles sem muita força. depois corremos juntos em direção aos arcos, mas antes mesmo de chegar na altura do prédio em obra, atiraram o pau e pedradas. resistimos e continuamos a correr na joaquim silva, quando um cara na esquina, aparentemente aleatório, tomou a nossa frente e chutou nossas pernas pra gente cair.

tudo era difícil: correr, fugir, sobreviver, proteger, reagir, pedir ajuda. tudo era uma luta.

só senti falta na hora de gente pra ajudar a conter aquele massacre.

eu desci pela rua do depósito que dá na pizzaria guanabara com gente ainda me seguindo, então cruzei a rua em direção aos arcos da lapa e encontrei aquele amigo que escapou já voltando da guarda municipal. quando ele me contou do descaso, avistei um carro da GM na riachuelo e, no meio do trânsito, corri pra cima pedindo urgência. voltamos pra joaquim silva, subindo pelos arcos, achando que a guarda vinha logo atrás. que nada! bem no meio da rua estavam eles em estado de alerta.

um amigo conseguiu fugir sozinho; outro, soube depois, teve ajuda de uma senhora que é do local e foi com ele até perto da sala cecília meireles, oferecendo socorro e dinheiro pro táxi. logo depois avistamos os dois já juntos perto de onde tem aquela placa de reurbanização da lapa. demos um jeito de sair rápido desse local e fomos tentar ajuda na guarita da PM ali do lado, mas não tinha ninguém. éramos nós por nós mesmos, como é na real.

nos abraçamos e cuidamos uns dos outros. dois amigos ficaram tão mal do espancamento que não puderam vir com a gente pra delegacia, onde, aliás, foi outra luta.

três horas de espera pra fazer um registro envolvidos em todo um tratamento, diálogo e representação que dão conta da falência do estado e suas instituições públicas medievais, de segurança, e não só, engessadas e incapazes de compreensão, acolhimento e defesa. apesar disso, insistimos.

insistimos por saber que são esses registros institucionais, esses indíces, que são levados em conta na hora de se fazer as leis. por saber que o silêncio, ainda que caro, é conivência, é derrota e espaço pra reprodução do terror e do medo. e não é por outra razão que manifesto esse relato. e no entanto, somos menores do que o fato ocorrido.

por isso eu quero que meus amigos saibam, quero que minha família saiba, quero que meus parentes e colegas de trabalho saibam, quero que todo mundo que me conheça, saiba: eu, José Maxsuel, fui vítima de homofobia. que os fatos sejam sabidos: pelo governo, pelo direito, pelas artes, pela mídia. quero que saibam, do comerciante ao frequentador.

quero, porque é algo que perpassa todas essas sociabilidades, e que precisa ser atravessado de todas as maneiras. é preciso que se pense, que se discuta, que se afete, que se questione, que se sinta, é preciso saber que uma ideia é uma arma, e que mata!

é preciso também que a gente se afirme sem se fechar — que não sectarize, emancipe — todos: negros, mulheres, gays! todas as lutas, identidades e devires do eu-além-do-sujeito, porque é uma luta pra SER, todo dia! e só SER é sempre muita coisa.

portanto, que saiamos desse lugar fácil de vitimização, paranoia e medo, e afirmemos a potência dos últimos encontros e das coisas que tão rolando, é a nossa resistência! é o movimento que gera essa crise que pode gerar mais movimento.

levei esses três dias me recuperando, indo da ira e do desejo de destruição, de matéria e símbolos, ao estado de tranquilidade e paz interior, alimentando meu corpo, ouvindo as pessoas, me fortalecendo, mas o todo tempo pensando no que a gente pode fazer com isso. fazer do ato de ódio uma infantaria amorosa na joaquim silva!

acho que é hora de acionar as redes e levar um pouco de amor pra todo lugar hostil. é isso, ou vamos continuar dizendo à mulher estuprada que a culpa na real foi dela? é isso, ou o medo daqui em diante de mostrar nossa afetividade na rua?

não me interessa a segurança da minha casa, o vidro fechado, o carro blindado, condomínio isolado, a paz do gueto. eu quero reclamar esse espaço que é a rua, porque, se não velho, nada disso faz sentido. eu não acredito, ou não quero acreditar, que é assim mesmo, que tome cuidado e que fica por isso. no último sábado na lapa, não apanhei sozinho.

apanhamos todos!

há sinais de uma mudança política, fruto de uma política maior que nos afeta. tudo sintomático numa conjuntura que nada deve desconsiderar, desde as coisas mais ou menos explícitas, como o que houve na sexta-feira da paixão com o bloco rec!clato — pode ser lido aqui: https://www.facebook.com/note.php?note_id=421741827839561 — até as mais sutis.

agora, em proposição e resposta, queremos ouvir as redes. queremos um encontro nosso, de repente já no próximo sábado, dia 28, com intervenção de arte e política (desculpar a redundância), choque de amor e espaço aberto pra performance, pra conversa, sei lá, pensar mil maneiras de ocupar o espaço, intervindo e dialogando com a rua.

e que houvesse a presença de amigos, frequentadores, todas as redes e coletivos e afins, porque há uma violência à solta que não é especialmente sobre mim, ou sobre meus amigos, e nisso não há dúvida de que a gente precisa se fortalecer, transversalmente.

contra todas as formas de violência.

ps: esta pessoa deseja poder frequentar qualquer lugar sem medo.

25 de abril de 2012

Mídia e poder político

Dia 24 de maio, às 18h30, na ABI, debate com Marcelo Cerqueira e Modesto da Silveira sobre o tema "Mídia e poder político – o processo Zé Dirceu".

24 de abril de 2012

No ar, edição de ABRIL do Algo a Dizer (www.algoadizer.com.br) com o seguinte conteúdo:


1) Entrevista com o pensador egípcio Samir Amin: “O mundo visto desde o Sul”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=790;
2) Oportuno artigo do senador Lindbergh Farias, do PT-RJ, explicando porquê a presidenta Dilma tem vetar a lei do novo Código Florestal que sai do Congresso: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=791;
3) Artigo de Douglas Naegele sobre “A aculturação pela fé”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=792;
4) Em “O cartório dos bancos”, Adriano Benayon explica o constante aumento do lucro dessas instituições financeiras: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=793;
5) Afonso Guerra-Baião fala da militância de Roger Walters e Daniel Barenboim em prol da paz entre israelenses e palestinos: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=789;
6) O lado compositor de canções do recentemente falecido Chico Anysio é comentado por Jorge Nagao: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=794;
7) Trecho do romance de Manoel Herzog “O cão”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=795;
8) Adilson Luiz fala de Maquiavel e Saint Exupéry em “Os dois príncipes”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=804;
9) O Cotidiano de Maria Balé em “Eu lá sou caipira?”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=803;
10) A crônica de Alexandre Brandão “Em clima ditatorial”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=796;
11) Denise Ribeiro e sua crônica “Cabelo, cabelo”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=797;
12) A crônica de Ivan Alves Filho fala das históricas relações do Brasil com o Benin: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=798;
13) Marcílio Godoi e sua crônica “O cão sem saída”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=799;
14) “Uma noite”, versiprosa de Valéria Dantas: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=800;
15) O conto de Cairbar “Inhá Ana”: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=801;
16) Ensaio curto e esclarecedor de Leonardo Mesentier sobre questões e importância de um transporte público urbano de massa barato e de qualidade: http://www.algoadizer.com.br/site/exibirEdicao.aspx?MATERIA=802.
Boa leitura e um abraço
Kadu Machado
(21) 9212-3103

23 de abril de 2012

Algo a Dizer nas redes sociais

O jornal Algo a Dizer, de Cultura e Política (www.algoadizer.com.br), agora está nas redes sociais. Anotem, sigam-nos, curtam-nos, comentem:
Blog do Algo a Dizer: http://jornal-algoadizer.blogspot.com.br/
Página no Facebook: http://www.facebook.com/algoadizer
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Twitter: http://twitter.com/algo_a_dizer (@Algo_a_Dizer)
E não esqueçam: vamos celebrar os 25 anos do jornal Algo a Dizer no dia 14 de maio (uma segunda-feira), às 20h, no Teatro Casa Grande (Av. Afrânio de Melo Franco, 290, Shopping Leblon – Rio).
Até lá e um forte abraço
Kadu Machado
(21) 9212-3103

Edição 55, abril de 2012 – Lindbergh Farias: Novo código florestal

Novo código florestal: do sonho ao protesto da utopia ambiental
Por Lindbergh Farias

A Câmara dos Deputados votará, até o próximo mês, o substitutivo do Senado ao projeto de lei que altera o Código Florestal. Apesar de o substitutivo do Senado ter aprimorado a proposta, o resultado continua sendo negativo. E não parece realista esperar novidades promissoras na etapa que se aproxima. O Brasil corre sério risco de retrocesso.
Infelizmente, o atual debate sobre código florestal emite para o mundo uma mensagem que frustra as melhores expectativas internacionais decorrentes da nossa demonstrada capacidade de reduzir desigualdades e de crescer em meio à tormenta internacional. Na mesma linha, o sinal que o Parlamento envia para os brasileiros não deixa margem a dúvidas: o desmatamento será anistiado, as transgressões à lei serão perdoadas. As mortes dos que se sacrificaram para proteger nosso tesouro biodiverso, e nossas florestas, serão em vão. Rirão por último os que apostaram na tradição brasileira da impunidade.
Com o atual texto do projeto de lei, o país perde a oportunidade de convergir o debate da crise econômica mundial e as contribuições que uma nova regulação florestal poderia trazer. Em ambos, trata-se de uma atuação mais estratégica, focada em inovação tecnológica e institucional, buscando regulação e planejamento de longo prazo – o que não tivemos nos últimos trinta anos.
Em diversas oportunidades, a presidenta Dilma foi contundente ao afirmar que o governo brasileiro não aceitará retrocesso ambiental. Nas palavras da presidenta: “temos que ser verdes produtivos”.
Lembro que, em junho, o Brasil sediará a Rio + 20, maior conferência sobre o meio ambiente do Planeta. Não podemos apresentar ao mundo uma legislação mutilada. O Brasil é uma potência agrícola respeitada pelo mundo inteiro exatamente porque é uma potência ambiental. Por isso, a bandeira eleita pelo governo brasileiro para o encontro mundial no Rio é a economia verde. Para que o Brasil se torne a quinta economia do planeta, deve articular crescimento econômico, distribuição de renda e sustentabilidade ambiental.
A proposta de novo Código não reflete a via de desenvolvimento que merece ser seguida: expandir a produção, estimular os produtores, valorizar o setor mais dinâmico da economia e, ao mesmo tempo, agregar valor aos produtos agrícolas, associando a dinâmica produtiva à implantação de uma linha sustentável de desenvolvimento, cuja base é o respeito rigoroso ao meio ambiente. O novo código não abriga esse compromisso com o equilíbrio.
Além disso, o debate sobre o novo código florestal demonstra que a impunidade nacional não se aplica a todos, indistintamente. Não é, digamos, equânime. Trata-se de uma impunidade seletiva, que enche cadeias e penitenciárias com transgressores pobres, mas preserva os poderosos com postergações, privilégios, prerrogativas, perdão de dívidas, quando não a oferta de novos créditos e mais estímulo. Essa lastimável tradição agride os que cumpriram a lei como um escárnio. O novo código premia quem apostou no Brasil velho, oligárquico e patrimonialista. Que lição é essa que ensinamos, como nação, a respeito de nós mesmos?
O sinal dessa tolerância inadmissível está na data escolhida como referência para suspender e rever, sob moderadas condições, multas e punições: 22 de julho de 2008. Ironicamente, a data em que o presidente Lula assinou um decreto que visava endurecer o jogo com os proprietários de terra que descumpriam as leis. Pois, agora, converteu-se em data da alforria para os transgressores. Não há argumento razoável capaz de justificar a escolha dessa data. Impôs-se o puro e simples interesse, atropelando qualquer consideração racional. A referência histórica óbvia seria 1998, quando se promulgou a Lei contra os crimes ambientais. Anistiar desrespeitos ao Código florestal anteriores a 1998 seria compreensível, embora polêmico. Afinal, o país ainda vivia um momento de reorganização, no rastro das transformações determinadas pela nova Constituição federal, promulgada em 1988. A nova ordem mal começava a entrar nos eixos e a ser assimilada pela sociedade. O país ainda se exercitava para sua longamente ansiada experiência democrática. Era compreensível considerar a Lei de 1998 um divisor de águas e uma repactuacão.
Portanto, o que tivesse sido perpetrado antes disso talvez merecesse um tratamento diferenciado, dependendo do atendimento a algumas condições. No entanto, 2008? Devemos apagar dez anos de vigência da Lei? Tolerar dez anos de crimes ambientais? Com que autoridade os novos limites serão exigidos, daqui para a frente? As vidas sacrificadas, os anos de luta, a devastação provocada: tudo será esquecido na geléia geral de uma amnésia coletiva, chancelada pelos políticos? E tudo isso em meio a um novo texto que reduz limites e entraves ao desmatamento?
Não se diga que, apesar da tolerância e das flexibilizações, os transgressores terão de restaurar o que devastaram. Não é verdade. A verdade tem de ser conhecida. Ela é dura e chocante: aplicado o novo código, pelo menos 20 milhões de hectares destruídos não serão recompostos. Portanto, minha indignação com a anistia não se limita ao aspecto moral ou relativo à cultura cívica. Tem também um motivo eminentemente prático e objetivo: o custo será ambiental, medido em hectares e efeitos climáticos.
E mesmo quando o texto do novo código tem a oportunidade de fazer justiça, dando tratamento diferenciado para os agricultores familiares, ainda corre o risco de ser subvertido por brechas legislativas. O substitutivo do Senado aperfeiçoou proposta ao criar capítulo específico para os agricultores familiares. Contudo, objetivo tão nobre corre risco de ser corrompido, por equiparar outros segmentos que não demandam tratamento específico e por não se resguardar da possível fragmentação das áreas - que também levarão a equiparação inapropriada.
Definitivamente, o projeto de novo código florestal não moderniza o anterior, que, de fato, requeria atualização. O novo código nasce velho, curvado sob o peso de arcaicos vícios brasileiros, e aponta para posições dúbias. Enquanto é conivente com a depredação de nosso patrimônio ambiental, não lida com as verdadeiras questões estruturais - as patologias do capitalismo, do modelo produtivo vigente, o sentido de modernidade, o próprio conteúdo ético da relação homem-natureza, o individualismo exacerbado, a perda da identidade coletiva. A questão ambiental é uma questão ideológica e, portanto, política.
Por isso, o país prende a respiração à espera do veto da presidenta Dilma. Sobre seus ombros repousam imensas responsabilidades e a esperança de milhões de brasileiros. E não apenas de brasileiros, nem só de ambientalistas. Importantes entidades da sociedade civil – como a CNBB e a ABPC — opuseram-se ao novo Código. A opinião pública tem se mostrado amplamente favorável à proteção do meio ambiente e de nossa biodiversidade, e suficientemente consciente de que defender nosso inestimável patrimônio natural não significa opor-se ao desenvolvimento, mas qualificá-lo e torná-lo sustentável. Entretanto, a maioria da representação política, nas duas Casas do Congresso, virou as costas para a vontade da maioria e para o futuro do país.

Lindbergh Farias é senador da República pelo PT-RJ