5 de fevereiro de 2012

Edição 52 Janeiro de 2012 - Jorge Nagao: Elis

Por Jorge Nagao

Elis


Foi numa terça-feira de janeiro, tristemente inolvidável.

A implacável notícia emudeceu quem estava conversando no bar, no cais, ou numa casa de campo. Muita gente foi chorar atrás da porta – um compositor me disse. Era o fim da travessia. Quando você foi embora fez-se noite em meu viver.

O trem azul do destino veio pela transversal do tempo e, traiçoeiramente, arrebatou você do nosso convívio.

O arrastão da morte veio de modo fulminante dando chibatadas em nossos corações e pirando nossas cabeças.

Por você chorou o menino das laranjas, a nega do cabelo duro, o bêbado e a equilibrista, assim como os nossos pais.

Por isso o povo foi se despedir de você numa gigantesca romaria.

Agora, nada será como antes: é dor pra lá, dor pra cá.

Jamais conversamos, Elis, mas éramos hermanos – gracias à la vida!

Você foi fundamental cantando o hino da anistia, enfrentando o Dono da Voz, denunciando os donos do poder, alegrando a batucada da vida. Para a nossa plena fascinação.

Você ficará em nós como tatuagem, marcada pela ousadia e pela emoção.

Afinal, amiga é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito, dentro do coração.

Elis, a nossa saudade. A saudade do Brasil.

Janeiro de 1982


Jorge Nagao é escritor e jornalista


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Edição 52 Janeiro de 2012 - Guido Bilharinho: Hiroshima, meu amor

Por Guido Bilharino

A Memória Inconsolável

De tempos em tempos, alguns filmes causam impacto, introduzindo inovações formais, temas inexplorados ou perspectivas inusitadas no trato de assuntos já repisados por inúmeros artistas. Enfim, introduzem e praticam novas maneiras de fazer (forma) e de ver (significado) o cinema e a vida.

Desde Méliès, nos primórdios do cinema ou mesmo no ato de seu lançamento pelos Irmãos Lumière, passando por diversos outros cineastas, a exemplo (apenas alguns poucos e notórios) de Griffith, Eisenstein, a vanguarda francesa e alemã da década de 1920 e Welles, o cinema vem sendo submetido a periódicas ampliações de suas possibilidades.

É o caso de Hiroshima, Meu Amor (Hiroshima Mon Amour, França, 1959), de Alain Resnais (1922-), baseado em texto do nouveau roman francês de Marguerite Duras, rico de nuanças e aspectos que abrangem desde seu fio central temático, o bombardeio atômico de Hiroshima, a presença do passado no presente ou a unidade do tempo até a estruturação fílmica propriamente dita.

É filme (de e) sobre o amor, tratado, porém, de maneira visceral e contemporânea. O romantismo e o pieguismo que vicejaram em épocas anteriores são substituídos pela verdade e significado da simpatia que aproxima, do sentimento que une e da convivência que solidifica os liames entre dois seres humanos. Como as notas musicais submetidas ao toque e pressão dos dedos do pianista, os graus e variabilidades da atração, relacionamento e necessidades mútuas dos parceiros subordinam-se à aguda sensibilidade do cineasta, que lhes infunde consistente conteúdo humano.

(...)


Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, foi candidato ao Senado Federal e editor da revista internacional de poesia Dimensão, sendo autor de livros de literatura, cinema e história regional


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Edição 52 Janeiro de 2012 - Afonso Guerra-Baião: À margem das águas

Por Afonso Guerra-Baião

As águas de janeiro são diferentes das águas de março. Estas fecham o verão e trazem promessas de vida aos nossos corações. Aquelas têm deixado destruição e morte em seu rastro violento. Se é inevitável associar as águas de março à poesia de Tom Jobim, é possível refletir sobre as águas de janeiro a partir de uma estrofe de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem”.

Quais são as margens que oprimem essas águas, a ponto de elas reagirem com a força de uma tromba-d´água, a fúria de um tsunami? As respostas jorram como enxurrada:

- as gananciosas barreiras da especulação imobiliária que empurram a população mais pobre para favelas construídas em beiras de córregos e encostas;

- os insensíveis diques do sistema financeiro que impedem o acesso de setenta por cento dos brasileiros ao financiamento habitacional (barreira que só começou a ser rompida com o programa “Minha casa, minha vida”);

- os irracionais barrancos que travam o planejamento da ocupação do solo urbano;

- as altas beiras da omissão dos poderes públicos na formulação de projetos de saneamento básico adequados;

- os limites extremos de impermeabilização do solo pela malha de asfalto e de concreto;

- as levianas ribanceiras do consumo exacerbado e da irresponsabilidade ambiental, geradores do excesso de detritos;

- as burocráticas bordas que dificultam o desenvolvimento de sistemas de informação e prevenção, bem como o treinamento das equipes de defesa civil.

Diante das catástrofes anunciadas e dos (agora) evidentes sinais de imprevidência, alguém exclama: “Não posso acreditar que isso seja verdade!”. Acontece que a água nos conduz á dialética do reflexo e da profundeza: nesta nos perdemos para nos sonharmos renascidos em um mundo novo; naquele nos encontramos, como Narciso, face a face com a nossa realidade atual. Ora, diz Bachelard, “o real não é nunca aquilo em que se poderia acreditar, mas é sempre aquilo em que deveríamos ter pensado”.


Afonso Guerra-Baião é professor e escritor. Escreve poemas, contos e crônicas, além de estar às voltas com a construção de um romance. Traduz poemas do francês e do inglês. Colabora em jornais e blogs. Mora em Curvelo-MG e é torcedor do Galo


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Edição 52 janeiro de 2012 - Luiz Werneck Vianna: Modernização, questão agrária e República

Fala de Luiz Werneck Vianna ao receber o prêmio Florestan Fernandes, no 15º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia em “Modernização, questão agrária e República”:

Maria Alice Rezende de Carvalho: Boa tarde a todas e a todos presentes. É com grande emoção que cumpro, neste momento, a tarefa de apresentar Luiz Werneck Vianna, homenageado nesse 15º Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia com o prêmio Florestan Fernandes, e que, na verdade, dispensa apresentações. Sua trajetória é conhecida de todos: inclui passagem pelas mais prestigiosas universidades do país, bem como a autoria de obra original sobre o Brasil. Pesquisador, ensaísta, observador atilado da conjuntura política, é, atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, onde coordena o Centro de Estudos Direito e Sociedade – CEDES.

Prof. Luiz Werneck Vianna: Apesar do que consta na programação, não vou fazer uma conferência, não sei fazer conferência. Depois de muito pensar, julguei, de início, que a forma mais apropriada para me comunicar com meus colegas e estudantes de Ciências Sociais seria a de uma intervenção sobre um tema permanente da minha agenda de estudos, mas acabei por me fixar na ideia de produzir uma instalação, à moda dos artistas plásticos, que expõem suas intenções de forma fragmentada e esperam que o público formule livremente o seu entendimento a respeito dos fragmentos que o autor reuniu para sua contemplação.

Imagino que isso não seja fácil de fazer nas artes plásticas, e, com certeza, como reconheço agora – sem possibilidade de voltar atrás –, é terrivelmente difícil nas Ciências Sociais. Mas foi, tudo pesado, a estratégia que me restou, dado que a única coisa certa para mim é a de que não faria uma conferência. Nessa linha, solto do constrangimento da exposição de um argumento científico, optei por uma abordagem expressivista, mais pessoal, mais conforme à minha identidade, e começo por revelar o tema que me obsedou, desde sempre, como, de resto, de boa parte da minha geração, especialmente da intelligentsia, dos intelectuais, dos artistas. Esse tema ainda me ronda - o papel da questão agrária na modernização capitalista brasileira.

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1 de fevereiro de 2012

Edição 52 Janeiro de 2012 - Sérgio Ricardo: “A Sensação de que Tudo Valeu a Pena”

Por Kadu Machado e Marcelo Barbosa

No ano em que Sérgio Ricardo completa 80 anos, o Algo a Dizer republica essa entrevista que fizemos com ele em março de 2008 como uma homenagem a esse grande artista

Cantor, compositor, letrista, pintor, cineasta, entre outros talentos, Sérgio Ricardo vem sendo, cada vez mais, descoberto pelas novas gerações. Não é para menos. Desde a sua participação na bossa nova – junto a nomes como Tom Jobim e João Gilberto – o autor de Zelão tem se constituído num dos mais inquietos e criativos artistas brasileiros. Ainda em plena atividade, com um novo CD a ser lançado nos próximos meses, Sérgio reafirma seus princípios estéticos na entrevista a seguir:


Algo a Dizer – Como foram seus anos de formação em Marília, São Paulo. Você estudou piano clássico, não é? O rádio, em especial a Nacional, influenciou você?

Sérgio Ricardo– Dos 8 aos 17 anos fui pro conservatório de Marilia aprender piano, teoria e solfejo. Aos 17 fui para São Vicente fazer um estágio como locutor, discotecário, etc., na rádio de meu tio Paulo Mansur, Radio Cultura São Vicente, onde desenvolvi profundo aprendizado da música popular e clássica internacional e mais acentuadamente a brasileira. Imitava estilos de pianistas americanos, formando um repertório popular da época, com o que ingressei na noite.

Algo a Dizer – Durante a década de 1950, você começou a tocar na noite. Aqui no Rio, só tinha fera: Tom Jobim, João Donato, Johnny Alf, Dolores Duran entre outros. Como era aquele ambiente musical que precedeu a Bossa Nova?
Sérgio Ricardo – Incrivelmente rico. A Rádio Nacional divulgava a melhor música que se produzia no pais, mantinha orquestras e maestros, e os melhores músicos do pais contratados, e o nível de exigência estética do mercado era enorme. Os artistas que se apresentavam na noite, muitos deles eram oriundos da Radio Nacional, ou estrangeiros: latino-americanos, europeus, americanos, etc.. Não existia televisão, nem a manipulação do sucesso, o que permitia chance a qualquer artista de valor de sobressair-se. Não havia o medo da concorrência e os bons eram cercados pelos iniciantes, e a eles passavam com alegria as informações e lições. Eu fui um desses aprendizes de Johnny Alf, Dik Farney, Lucio Alves, Radamés, Donato, Tom, Newton Mendonça, Caymmi, Garoto, e tantos outros.

(...)


Kadu Machado é advogado e jornalista, editor do Algo a Dizer e membro da Comissão de Ética da direção estadual do PT do Rio
Marcelo Barbosa é doutorando de Literatura da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e editor do Algo a Dizer


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